sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O Português e o regresso dos textos ?difíceis? José Augusto Cardoso Bernardes, professor da Faculdade de Letras de Coimbra

O Português e o regresso dos textos ?difíceis?
quarta-feira, 27-11-2013
Diário de Notícias

José Augusto Cardoso Bernardes, professor da Faculdade de Letras de Coimbra

Mais do que qualquer outra área escolar, o Português envolve uma considerável margem de impacto cívico. Não se estranha, por isso, que o anúncio da entrada em vigor de novos programas para o ensino secundário suscite sempre alguma controvérsia. Para mais, neste caso, o Programa é bastante diferente daquele que esteve em vigor nos últimos 15 anos. Deixando agora de lado algumas dessas diferenças (a maneira como a Gramática ou a oralidade são contempladas constituem apenas dois exemplos que ilustram uma assinalável evolução), detenho-me apenas no reforço da presença da "educação literária". Esta expressão, que tinha surgido já nas metas curriculares do ensino básico, consolida-se agora, como domínio autónomo da disciplina de Português, também no Secundário. Já se ouviram alguns protestos: segundo os descontentes, o novo Programa seria mais de Literatura do que de Língua. E teria ainda, pelo menos, mais dois defeitos: é demasiado extenso e elitista.

Não concordo com nenhuma destas críticas e explico os motivos da minha posição. Diga-se, em primeiro lugar, que a maior presença de textos literários não prejudica o ensino da Língua. Pelo contrário: a leitura continuada desse tipo de enunciados permite alcançar objetivos de natureza linguística que se não atingem de outro modo. Através dos textos literários, pode exercitar-se, desde logo, a leitura expressiva e a compreensão escrita. A partir desses mesmos textos, pode-se ainda falar e escrever em registo argumentativo, combinando sensibilidade, informação e pensamento. Salvo melhor opinião, que nunca vi expressa, estes objetivos são de natureza linguística e concretizam-se melhor a partir de um soneto de Camões do que a partir de uma notícia factual.

Tão pouco me parece que a extensão do programa deva atemorizar. Por junto, ao longo dos três anos do secundário, os alunos de Português devem ler sete obras integrais (incluindo este número dois contos e duas pequenas peças de teatro). A grande maioria dos autores figura sob forma antológica: de Fernão Lopes, que consta do programa do 10.º ano, bastará escolher "excertos de dois capítulos da Crónica de D. João I"; assim como, no ano seguinte, apenas se aponta o estudo de uma poesia da Marquesa de Alorna, três poemas de Bocage e outros tantos de Antero de Quental. O que se pretende, afinal, é que o aluno exercite a sua sensibilidade a partir de textos de várias épocas (porque a Língua e a Literatura portuguesas existem desde há muitos séculos) e seja capaz de situar alguns autores à luz dessa evolução histórica. Deverá ficar a saber, por exemplo, que Fernão Mendes Pinto quase coincidiu com Camões no Oriente e que Pessoa nasceu depois de Camilo Pessanha. Nada disso lhe era recomendado como conhecimento "útil", até agora.

A acusação de elitismo é mais séria e convida a um debate demorado em torno das missões da Escola. A questão pode formular-se deste modo: deve a Escola abdicar dos textos difíceis apenas porque são difíceis? Ou deve, pelo contrário, esforçar-se por criar condições para que o contacto com esses textos (que são decisivos sob o ponto de vista cultural) sejam facultados a todos os alunos, em especial àqueles que, de outra forma, nunca chegariam a conhecê-los? O desafio maior deve ser o de encontrar um ponto de equilíbrio entre o imperativo da inclusão e o desenvolvimento da cidadania, sendo que ambas as palavras concorrem para o ideal mais nobre da escola pública: o de conceder a todos as mesmas oportunidades.

Se bem analiso a situação, os novos programas de Português (e também as metas que dele resultam) constituem um notável avanço e não um retrocesso. Reforçando o peso da Literatura, reconhecem que esta se encontrava menorizada nos programas anteriores; aceitam a importância identitária de que se reveste no contexto da cultura portuguesa, recuperam o alinhamento sadio da história literária sem cair no historicismo, preservam a centralidade dos textos no espaço letivo e fazem deles (dos textos literários e também de outros tipos de texto) via de conhecimento e de treino comunicacional.

Por muito bons que sejam, contudo, os programas não irão resolver todos os problemas da disciplina. No que diz respeito ao ensino da Literatura (prática de que alguns professores andam afastados há muitos anos) existe, desde logo, o risco do regresso, puro e simples, a métodos antigos. Seria mau se assim fosse. Os alunos não são os mesmos de há 40 anos e os programas que vão entrar em vigor não são meros decalques de propostas de outros tempos. Para evitar esse risco, impõe-se a adoção de medidas corajosas, abrangendo a Escola e as universidades. Essas parcerias podem, desde logo, conduzir à oferta de ações de formação centradas no que é necessário aprender ou reajustar; e podem dar origem ao aparecimento de textos de apoio com qualidade, evitando que o mercado seja tomado por publicações oportunistas e simplificadoras. Se assim não vier a acontecer, o regresso dos textos difíceis pode vir a tornar-se inglório e inútil. 
«o texto constante desta página foi gerado automaticamente por OCR (Optical Character Recogniser), pelo que é passível de conter gralhas ou erros ortográficos resultantes dessa conversão.»

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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Sobre o Cânone Literário por Vasco Graça Moura

 Sobre o cânone literário

por VASCO GRAÇA MOURA 08 agosto 2012
 
 Poucas ideias devem ter sido tão discutidas na teoria literária moderna como a de cânone. Posto em questão devido a ressentimentos de vária ordem, como sustenta Harold Bloom, ou por razões teóricas mais ou menos ligadas à Linguística ou às ideologias, o cânone aspira a englobar uma lista de autores e de obras consideradas modelos de perfeição, seja à escala nacional, seja à escala ocidental, seja à escala universal. A sua estabilização, sempre a entender em termos flexíveis e abertos a sucessivas incorporações, supõe a passagem do tempo, a filtragem pela consciência colectiva e a inserção em coordenadas civilizacionais, a existência e funcionamento de critérios de valor identitários e estéticos, uma tradição analítica de comentários e uma história cultural, e provavelmente uma tensão dinâmica com sucessivos contra-cânones. Sem pretender entrar em discussões teóricas e sem negar que haja uma certa dose de flutuação necessária no próprio estabelecimento do cânone e dos seus contornos práticos, considerando o caso português (ou, se se preferir, o dos espaços em que se fala o português) as coisas podem resumidamente ser postas assim: deveria haver um conjunto de obras literárias escritas na nossa língua que todos teriam de conhecer. No plano do ensino, isto parece de uma evidência elementar, mas tem andado mais ou menos esquecido. Ora, reduzida às suas linhas mais simples, esta é afinal a questão do cânone literário e da sua relevância para o currículo escolar, embora esse plano, por definição, acabe por ser transcendido, pois o cânone não é propriamente uma simples ferramenta para uso do ensino, mas antes um quadro de referências indispensáveis e um complexo de elementos literários respeitante ao sistema de valores e aos interesses culturais de uma dada sociedade: incorpora uma série de modelos cuja evidência paradigmática se recorta ao longo dos sucessivos tempos históricos e se impõe à mentalidade e à sensibilidade colectivas. Na escola, a abordagem do cânone deve ser flexível e variada. Em Portugal, antigamente, havia para tal efeito excelentes instrumentos que iam dos cadernos literários da Seara Nova aos textos da editorial Comunicação e vários outros. Havia também selectas, crestomatias e antologias que apresentavam criteriosamente passagens mais ou menos extensas de obras que faziam parte do cânone. E havia, para quem estudava, a obrigação de saber dessas obras e mesmo de conhecer algumas delas na íntegra. Dos cancioneiros medievais a Fernão Lopes, de Bernardim e Gil Vicente a Sá de Miranda e Camões, de Rodrigues Lobo e Francisco Manuel de Melo a Bernardes e Vieira, de Bocage, Garrett e Herculano a Camilo, Eça, Cesário, Antero e António Nobre, isto para dar só alguns exemplos flagrantes do século XIII ao século XIX, os alunos de Português tinham de contactar com toda uma série de autores e isso só lhes fazia bem. Visitavam lugares escolhidos da grande literatura escrita na sua língua e, a partir desses paradigmas, tinham de proceder a vários tipos de análise e de interpretação, enriqueciam o seu conhecimento do léxico e da gramática, aprendiam figuras de estilo, adquiriam uma certa compreensão história e contextualizada da obra de cada autor, aperfeiçoavam grandemente o conhecimento do português como língua materna e tornavam-se capazes de utilizá-lo melhor. É por isso da maior importância que se retome o cânone literário e que este forneça uma base essencial para o desenvolvimento dos programas de português. Tanto o Ministério da Educação como o Plano Nacional de Leitura têm aqui uma tarefa de grande responsabilidade. Nunca será demais insistir em que os estudantes, se tiverem um bom domínio da língua portuguesa, ficam preparados para ler tudo o mais: bulas de medicamentos, manuais de instruções, relatórios técnicos, notícias de jornais... Ao invés, se a sua preparação for circunscrita a este tipo de textos, nunca eles conseguirão ler capazmente um grande escritor. E se não forem capazes de ler capazmente um grande escritor, acabarão por não ser capazes de mais nada. O processo de contacto com as obras dos grandes autores da nossa língua carece de ser urgentemente reabilitado nas escolas, com critério e exigência.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.


Texto recolhido do Diário de Notícias em linha no dia 4/9/2013

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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Evanildo Bechara - Nossa Língua Portuguesa

Potencial Económico da Língua Portuguesa - coordenação de Luís Reto


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Quanto vale a Língua Portuguesa por Maria Helena Mira Mateus


«Se a pujança do português permite a criação de obras literárias em países de todos os continentes, como não se considerar esta língua como uma riqueza dos que a falam?», pergunta — e responde — a presidente do ILTEC, em artigo publicado no semanário Expresso de  29 de Janeiro de 2011.

Numa ocasião em que tanto se fala sobre problemas da nossa economia, é um erro esquecer que o conhecimento e o uso do português constituem uma mais-valia no campo das interações económicas e um dos mais importantes investimentos que cabem à iniciativa governamental e coletiva. Discutir um negócio ou argumentar sobre uma posição política, ou um projecto científico e cultural, usando o português com a facilidade de ser a língua materna (e, nos países da CPLP, a língua de escolarização) tem valor económico e social. Se o Brasil criou há pouco uma universidade, a Unilab, que se destina a reforçar os laços com os países lusófonos, é porque acredita na importância de enriquecer a língua portuguesa no campo da ciência actual e das tecnologias, e do uso quotidiano nos países-membros da CPLP. A formação de professores, uma das suas valências, é também uma forma de difusão da língua, assim como o é a Universidade Aberta de Moçambique, criada durante a recente ida de Lula da Silva a esse país. Acrescente-se que na publicação da Fundação Luso-Americana de 2010 se  mostra, com argumentos e dados estatísticos, a importância e a larga distribuição do ensino do português nos EUA. E se a pujança do português permite a criação de obras literárias em países de todos os continentes, como não se considerar esta língua como uma riqueza dos que a falam?

No sentido da sua difusão e facilidade no uso, tem-se avançado pouco em Portugal, embora existam aplicações computacionais que estimulam a utilização do português na Internet, ao serviço de uma necessária internacionalização, da dinamização cultural e da investigação científica. No entanto, muito há ainda a fazer. Ao contrário da ausência de estímulos que se sente na criação de meios para o reforço e difusão da língua, é preciso que se proteja a produção em português através de uma política de incentivo à tradução e à realização de obras de base para a formação escolar, do estímulo à produção de obras teóricas e de aplicação em todos os campos do saber. Sem este apoio, o Estado não pode dizer que participa ativamente no objectivo de difundir a língua portuguesa. Note-se que, com a adoção de um acordo ortográfico que suprime muitas diferenças ortográficas entre os países que usam o português, o livro produzido em Portugal tem um vasto mercado e um real valor económico.


Portugal tem que encarar a sério esta questão e alargar as acções que a promovam. Poderá fazê-lo de muitos modos: aumentando e desenvolvendo o ensino da língua nos países africanos e em Timor; preparando e produzindo materiais didácticos; apoiando projectos dinamizadores de parcerias entre Portugal e os países de língua oficial portuguesa; divulgando livros e materiais multimédia em português; construindo terminologias científicas e técnicas indispensáveis para a consolidação do português nas áreas científicas e tecnológicas; criando centros de cultura e língua portuguesa de acordo com prioridades sociogeográficas; utilizando sempre a língua portuguesa em organismos internacionais para lhe atribuir o prestígio que lhe é devido.
indispensáveis para a consolidação do português nas áreas científicas e tecnológicas; criando centros de cultura e língua portuguesa de acordo com prioridades sociogeográficas; utilizando sempre a língua portuguesa em organismos internacionais para lhe atribuir o prestígio que lhe é devido.
Uma das maiores riquezas da Europa é a sua diversidade linguística. Essa é a justificação de um projecto em curso, Language Rich Europe, que pretende informar e divulgar as línguas faladas nos países da UE. Se queremos uma área de investimento económico, temos de acreditar que a língua portuguesa pode servir-nos nesse objectivo.
1/2/2011
Artigo publicado no semanário Expresso de 29 de janeiro de 2010
Artigo recolhido no sítio do Ciberdúvidas
 

 
 

"Quanto vale a Língua Portuguesa" - Programa Prós e Contras da RTP

Ciberescola/Cibercursos Colocações com o verbo FAZER

terça-feira, 25 de junho de 2013

O equívoco do tratamento escolar da língua por João de Brito, professor de Português


A respeito da disciplina de Português e do ensino da gramática, João de Brito, professor em Vila Real, comenta as posições de Luís Osório e Sandra Duarte Tavares num texto enviado ao Ciberdúvidas.

A propósito de Abertura Estudar gramática é crime? (27.02.2013), gostaria de acrescentar o seguinte: Luís Osório e Sandra Tavares protagonizam, nesta polémica, o equívoco que, nas últimas décadas, tem prejudicado o tratamento escolar da língua. Luís Osório, notoriamente, desconhece que, nos primeiros ciclos, pelo menos, a esmagadora maioria dos professores tem agido como se pensasse o mesmo. Durante décadas, limitou-se a dar o texto narrativo e a desenvolver atividades de leitura. Houve um grande incremento das bibliotecas escolares. Há o Plano Nacional de Leitura. E os bons resultados foram testados em avaliações internacionais e reconhecidos por escritores, muitos dos quais circulam frequentemente pelas escolas. Sandra Tavares, provavelmente, participa na tentativa que, nos últimos anos, procura repor o ensino da gramática nas escolas. E é aqui que a escola tem falhado, rotundamente. Durante muito tempo, não se ensinou gramática, por se considerar uma chatice. Presentemente, procura-se reabilitá-la. Mas a via descritiva, oficialmente adotada, em desfavor da funcionalidade, atrapalha bastante e, aparentemente, dá razão aos seus detratores.

Resumindo e concluindo, Luís Osório é injusto e está errado. Injusto, porque a leitura tem sido mais que privilegiada pela escola. Errado, porque a gramática tem sido o parente pobre das aulas de Português. Desgraçadamente! E sabe porquê, sr. Luís Osório? Porque não é com literaturas que se desmontam os enunciados de matemática, por exemplo! E sabe porquê, sr. Luís Osório? Porque os enunciados de matemática são uma questão de lógica e não de arte! E sabe porquê, sr. Luís Osório? Porque a lógica está na sintaxe e não na narrativa. E muito menos na poesia! Se calhar, é por isso que somos um país de bons escritores e melhores poetas… e ainda bem. Se calhar, é por isso que somos um país de maus gestores e piores políticos… e ainda mal.

28/02/2013

Texto recolhido no sítio do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Malefícios no ensino do Português por Maria do Carmo Vieira


  1. São, eles, na opinião da autora, referindo-se à realidade portuguesa: a «impraticabilidade da TLEBS», a «valorização da oralidade sobre a escrita»,  a subalternização do Latim e o Acordo Ortográfico. Artigo dado à estampa no jornal “Público” de 20/08/2012, a seguir transcrito na íntegra.

     

    Não é postura democrática um Governo isolar-se de quem governa, evidenciando indiferença ou desagrado perante críticas (designadas por «não construtivas») que colidem com o que deseja impor, mantendo, no entanto, intocáveis as vozes dos que intervêm activamente na satisfação desses desígnios. São várias as situações que o demonstram, nomeadamente no ensino do Português, de que destaco apenas quatro, por uma questão de espaço:

    1) A impraticabilidade da TLEBS, com a sua aberrante nomenclatura, em substituição da gramática tradicional, que,apesar de forte polémica, se mantém em todos os programas de Português, imune a resultados nefastos e a intervenções críticas e fundamentadas de professores, linguistas, escritores, jornalistas e encarregados de educação.

    2) A estreiteza de espírito que impôs a valorização da oralidade sobre a escrita, que atribuiu igual importância a textos funcionais e literários (os últimos designados como «recreativos»), e que considerou «pura perda de tempo» a contextualização histórico-cultural de um autor, inclusive com a indicação do lugar onde nasceu: «Freixo de Espada à Cinta ou outra coisa qualquer», palavras do Prof. João Costa, brilhante mentor da TLEBS, no encontro realizado na Gulbenkian (2011) a propósito do Plano Nacional de Leitura.

    3) A incongruência de o Latim e a literatura portuguesa como opções no “Curso de Línguas e Literaturas”, crendo-se natural que um futuro professor de Português não saiba Latim, base da língua portuguesa. Há quem, no entanto, se esforce contra este absurdo. Uma jovem professora de Português, Susana Marta Pereira, a fazer o mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas (FCSHUNL), demonstrou, na escola onde ensina, Externato Nuno Álvares (Palmela) e nas escolas Pedro Nunes e Camões (Lisboa) onde vai completar o mestrado, quanto os alunos podem ganhar afeição pela língua e, consequentemente, pela escrita e pela leitura, com «o conhecimento do Latim e da mitologia clássica, e a explicação da origem das palavras». O certo é que, em 2012-2013, haverá a disciplina de Latim em 5 turmas, do 5.º ao 9.º anos (Palmela), e, em Lisboa, a professora Susana Pereira, com o apoio da sua orientadora de estágio, irá também implementar um programa de “Iniciação à Cultura/Língua Clássica”, de frequência livre, para os alunos do 3.º ciclo, com o objectivo de levar esses alunos a escolher, futuramente, o Latim no secundário.

    4) Finalmente, a imposição do AO, sem debate sério e científico e numa demonstração de extrema falta de respeito pela vontade dos portugueses. O caos é visível em alguma comunicação social, em instituições e na escola, discutindo já os alunos mais velhos a razão de ser das «novas minúsculas» e o desaparecimento geral das consoantes mudas. Com efeito, em textos escolares, em documentos oficiais, em legendas ou em notícias surgem palavras como “expetativa”, “expetante”, “contato”, “contatámos”, “de fato”, “impato”, “tato”, “jato”, “pato”, entre muitas outras, e até “portugal” não tem direito a maiúscula, contrastando, no mesmo texto, e por duas vezes, como prémio “Portugal Telecom” (Revista do INATEL, n.º 238). Falta só que, curvados perante o número de falantes brasileiros e em nome da pretensa «unidade da língua», passemos a usar “presidenta” ou “estudanta”, entre outras similares, obedecendo à lei n.º 12.605, de 3/4/2012, sobre o “Emprego obrigatório da flexão de género para nomear profissão”, recente inovação da “Presidenta” do Brasil.

    Em 2011, o Conselho de Ministros afirmou que o AO visava «reforçar o papel da língua portuguesa como língua de comunicação internacional», mas, entretanto, fecham-se leitorados, dificultam-se as aulas de Português para os filhos dos emigrantes, continuando nós também a desconhecer o quanto tem custado e continua a custar este AO. O Brasil, entretanto, promove congressos com o objectivo de «discutir políticas linguísticas relacionadas à internacionalização do Português brasileiro.» E assim se fazem as cousas, diria Gil Vicente. Não deixe de consultar o site: www.ilcao.cedilha.net.

    27/11/2012

     

    in jornal “Público” de 8 de agosto de 2012.
  2. Texto recolhido no sítio do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Universidade de Coimbra é Património da Humanidade

Universidade de Coimbra é Património da Humanidade

Universidade de Coimbra é Património da Humanidade "mais do que o reconhecimento do valor arquitetónico do complexo universitário de Coimbra, esta decisão da UNESCO sublinha o valor universal da cultura e da língua portuguesas e reconhece o papel central que Portugal teve na formação do Mundo, tal como hoje o conhecemos" João Gabriel Silva, Reitor da Universidade de Coimbra Site da candidatura http://candidatura.uc.pt/pt/
 
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terça-feira, 11 de junho de 2013



por Ricardo Santos

Chegou a Portugal a melhor e mais conhecida revista literária do mundo, a Granta. A revista inglesa tem vindo nos últimos anos a espalhar-se um pouco por todo o mundo e a criar edições em muitos países, nomeadamente no Brasil, na Suécia, na Turquia e em Espanha. A edição portuguesa, editada pela Tinta-da-China e dirigida pelo jornalista Carlos Vaz Marques já chegou às casas de quem assinou a revista (este que vos escreve é um dos sortudos).

O primeiro número da revista nasce sob a égide temática «Eu», um tema que remete para a subjectividade da criação literária e que é também um manifesto, já que a revista pretende com ele afirmar inequivocamente o seu carácter literário.

Neste número inaugural, como nos seguintes, o miolo da revista compor-se-á com conteúdo proveniente de duas fontes – textos encomendados pela revista directamente a autores e textos do baú Granta; isto é, textos já publicados na casa-mãe, a Granta inglesa, ou até em qualquer outra Granta por esse mundo fora. Este baú é uma verdadeira arca do tesouro, já que conta com textos dos maiores vultos da literatura mundial. Basta ver este primeiro número, onde entram directamente do baú Granta autores como Saul Bellow, Orhan Pamuk (ambos laureados com o Nóbel), Simon Gray, Rachel Cusk e Ryszard Kapuściński (o «poeta da reportagem»).

Pelo lado dos textos encomendados a autores portugueses a representação é também de luxo. Dulce Maria Cardoso, Afonso Cruz, Valter Hugo Mãe (prémio Saramago), Valério Romão, Ricardo Felner, Rui Cardoso Martins e Hélia Correia assinam todos eles pequenos grandes textos. A revista conta ainda com um portefólio fotográfico de Daniel Blaufuks (que também assina a capa) e com a apresentação de oito sonetos de um dos grandes, Fernando Pessoa, sendo que cinco deles são completamente inéditos e os restantes são agora apresentados em leituras diferentes (quem já viu a letra manuscrita de Pessoa saberá a dificuldade de perceber aqueles gatafunhos). Esta apresentação está a cargo dos investigadores Jerónimo Pizarro (que recentemente ganhou o prémio Eduardo Lourenço) e Carlos Pitella-Leite.

O conselho de quem já se embrenhou no meio da revista é este – arranjem 18€, que é o preço de capa da revista, e na sexta-feira corram para um livraria a comprar o primeiro número da edição portuguesa da Granta. Ou, se puderem, façam melhor – assinem a revista por dois anos, com a vantagem de a receberem comodamente nas vossas caixas de correio e ainda sacarem um desconto de 25%.

A edição portuguesa da Granta terá uma periodicidade semestral, com a qualidade de edição, o grande nível das traduções e o cuidado gráfico a que a Tinta-da-China já nos habituou. Granta revista!

informação recolhida no sítio janela urbana 

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sexta-feira, 7 de junho de 2013

Exames e Igualdade de Oportunidades por Jorge Buescu


É sabido que a enorme expansão do sistema de ensino português após a revolução de Abril – que, por exemplo, fez decuplicar o número  de estudantes no Secundário entre 1974-1994 – se fez em detrimento dos níveis de rigor e de exigência, num generalizado facilitismo que, refletido em inúmeras variáveis (programas, manuais escolares, preparação do corpo docente, eliminação de provas nacionais) se propagou também a níveis mais desastrosos de desregulação e desarticulação do sistema educativo. Num universo, como é o nosso, de cerca de 175.000 professores (segundo a PORDATA), de milhares de escolas do Ensino Básico e de centenas do secundário, existem assimetrias e descontinuidades gritantes. Só quem desconhece a realidade escolar do Portugal de hoje pode sustentar a ficção de que as escolas, os professores e o ensino são iguais em todo o lado. Não são. Como é inevitável num fenómeno desta dimensão, há professores excelentes e professores maus, escolas excelentes e escolas más, como a divulgação dos resultados das escolas, que permitiu elaborar diversos rankings a partir de 2001, veio sobejamente comprovar. Os principais lesados com esta ficção igualitária são, evidentemente, os alunos. E Trata-se de uma ficção extremamente perigosa, pois perpetua as desigualdades de base: crianças que crescem em meios isolados, deprimidos e necessitados têm acesso a uma Educação de nível qualitativo mais baixo. Ora, se uma educação de qualidade constitui a ferramenta essencial para lhes permitir superar estas circunstâncias negativas e ascender a níveis sociais, culturais e económicos superiores, a falta dela limita-lhes as opções e recusa-lhes oportunidades. Uma criança a quem não é ensinado o algoritmo da divisão no 1º Ciclo, acabará por pagar o preço mais tarde. Provavelmente demasiado tarde. O facilitismo na Educação não ajuda os que têm mais carências: prejudica-os ao privá-los da única ferramenta que lhes permitiria ultrapassá-las. Não tenhamos ilusões cândidas: o sistema educativo não se autorregula. E fazê-lo evoluir para níveis de qualidade e de exigência uniformes para toda a população exige mecanismo que controlem se, em cada nível de ensino, os conhecimentos correspondentes estão dominados. É esse o papel essencial das provas nacionais, vulgo exames, as quais não podem ser meras “provas de aferição”, que nada exigem de alunos e professores: têm de ter consequências sobre a nota final, de forma a promover o esforço e o trabalho por parte de uns e de outros. Porque, apesar de contradizer o nosso estranho Zeitgeist, a verdade dos factos é que o dicionário continua a ser o único local onde o sucesso vem antes do trabalho. Quanto a supostos “traumas” das crianças provocados pelas provas, tantas vezes invocados sem substanciação, são uma fantasia. Um professor do 1º Ciclo do Ensino Básico afirmou no dia do exame de Matemática: “A reacção dos miúdos foi positiva. Não houve pânico nem dores de barriga. Os pais concordaram. Não tivemos qualquer queixa de encarregados de educação e os professores esforçaram-se mais para que os resultados melhorassem. No caso do nosso agrupamento espero bons resultados pois houve muito investimento por parte de quase todos os professores e os alunos vinham contentes do exame”. Deixemo-nos de agitar fantasmas. Formar cidadãos completos, em igualdade de oportunidades, é um imperativo democrático. Para tanto, temos de proporcionar uma Educação de qualidade – a todos. Portugal necessita, hoje, de provas nacionais no final de cada ciclo – e, como é consensual em todo o Mundo, em ambas as disciplinas estruturantes: Matemática e língua materna.

Jorge Buescu,  in JL de 29 de maio a 11 de Junho de 2013

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Preguiças por Helder Macedo


 
 
 Quando eu tinha 11 ou 12 anos (ainda estava em Lourenço Marques) ofereceram-me um livro intitulado História de Portugal para os Meninos Preguiçosos Fiquei ofendidíssimo. Eu preguiçoso?! Praia de manhã, matine no Scala, futebol ao fim da tarde, uns versinhos precoces às escondidas, o pôr-do-sol na baía… O quê queriam ainda mais?
O autor era um notável talento desperdiçado, como vim a perceber tempo depois em Lisboa. Ele a fazer uns preguiçosos filmes publicitários: “Ó Isabel olha o relógio!” (mas a boazona da Isabel entrou sem receio na piscina porque o relógio era à prova de água). Por essas e por outras tornou-se no que hoje em dia se chamaria uma celebridade. Conhecido por ser conhecido. Contavam-se histórias a seu respeito, algumas provavelmente exageradas, mas nem por isso menos reveladoras. Por exemplo que um dia perseguiu de quarto em quarto, com desnudada urgência em riste uma virtuosa criadita que se atirou da janela e ficou estatelada no saguão. Ao que ele, debruçando-se, teria comentado: “Caíste minha pomba, caíste pensavas que lá por seres virgem podias voar.”Não deve ser verdade, mas a moral da história é o que importa aqui: a virgindade não dá asas.
Vem isto a propósito desta recente voga de simplificações dos Lusíadas para meninos e não tão meninos, por ventura nem sequer preguiçosos.
Que me fez pensar nos malefícios da virgindade. Sou todo a favor de facilitar acessos, tanto assim que aceitei participar, há coisa de sete anos, nos chamados Grandes Portugueses e até arranquei para Camões o …quinto lugar. Também acho perfeitamente respeitável que Gonçalo M. Tavares tenha pedido boleia ao James Joyce (que levou décadas a dessacralizar a Odisseia numa contemporaneidade irlandesa) para mais prontamente dessacralizar. Os Lusíadas na sua contemporaneidade portuguesa. E sobretudo achei ótimo que em 1972, em Moçambique e plena Guerra colonial, o pintor António Quadros, aliás o poeta João Pedro Grabato Dias, aliás Frey Ioannes Garabatus, o camoniano pseudo-autor das Qvybyrycas, tenha usado os Lusíadas para transformar a celebração épica do império português numa representação irónica do fim dos impérios. Com uma não menos irónica introdução erudita de Jorge de Sena e uma salutar epígrafe didáctica: “Cada um faz a homenagem que pode”. Porém acho péssimos que andem por aí a pedir boleia ao Fernando Pessoa para ensinar Camões nos liceus e universidades, como já disse e aproveito para dizer outra vez.
Mas sim é verdade, cada um faz a homenagem que pode. E também só se pode ensinar o que se sabe. O problema é mesmo esse. Quando se confunde acessibilidade com banalização. É em todo o caso sintomático de um salutar desejo de trazer novos leitores para os Lusíadas que duas das nossas mais ubíquas personalidades culturais tenham recentemente produzido interpretações didácticas do poema. Refiro-me a Os Lusíadas para gente nova, de Vasco Graça Moura (Gradiva, 2012), e à Versão de Os Lusíadas por José Luís Peixoto (em publicação pela revista Visão).
 
 
Vasco Graça Moura propõe à” gente nova” uns Lusíadas em que incorpora estrofes total ou parcialmente suas no texto de Camões, para desse modo o resumir, ou comentá-lo, ou torná-lo menos obscuro. Também omite passagens do poema que seriam retrospectivamente desconfortáveis, por exemplo os incentivos à invasão do Norte de África que como sabemos e então não se podia saber, quando implementada resultou na morte de Dom Sebastião e na anexação de Portugal à Espanha. Nas mãos de alguém menos hábil, justapor versos seus aos versos de Camões seria um exercício megalómano de resultados potencialmente grotescos, Mas Vasco Graça Moura é, por um lado, um mestre do pastiche poético e, por outro, um conhecedor profundo da poesia de Camões. De modo que, se a gente nova achar mais fácil ler estes partilhados Lusíadas, antes do que nada. O livro terá cumprido o seu propósito. O mesmo não se pode dizer da Versão de José Luís Peixoto.
Enquanto Vasco Graça Moura é consensualmente reconhecido como uma personalidade representativa do establishment cultural português, José Luís Peixoto, várias décadas mais novo, é um festejado romancista que tem sido associado a uma imagem de dissidência populista. Teria portanto sido interessante encontrar por seu intermédio uns Lusíadas que saíssem das leituras escolares convencionais.
O que saiu foi um Camões mal ensinado e mal aprendido que resulta numa espécie de crónica de banalidades disfarçadas em preguiçosas pós-modernices de piscadela de olho ao leitor. Exemplo: o Concílio dos Deuses. Que começa assim: “Como numa reunião de condomínio ou num conselho de ministros, Júpiter lançou-se num longo discurso que trazia já preparado de casa. “ E que termina: “Sem apito, Júpiter apitou o final da partida. Sem martelo, pumba, declarou encerrada a reunião.”No fim do texto que vi na internet vinha um “GOSTO MUITO”            de uma senhora chamada Isabel (olha o relógio!) que se depreende que é professora porque acrescenta: “vou usar os seus Lusíadas nas aulas de Português”. E se calhar vai mesmo. Malefícios da virgindade. Com Os Lusíadas a saltarem da janela e a ficarem da janela e a ficarem estatelados no chão.
Helder Macedo, in JL de 15 a 28 de Maio de 2013

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Cuidado com a Língua!

Mia Couto vence Prémio Literário Camões




O vencedor do prémio literário mais importante da criação literária da língua portuguesa é o escritor moçambicano autor de livros como Raiz de Orvalho, Terra Sonâmbula e A Confissão da Leoa. É o segundo autor de Moçambique a ser distinguido, depois de José Craveirinha em 1991.
A obra de Mia Couto, “inicialmente, foi muito valorizada pela criação e inovação verbal, mas tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura narrativa e capacidade de transportar para a escrita a oralidade”, acrescentou Vasconcelos. Além disso, conseguiu “passar do local para o global”, numa produção que já conta 30 livros, que tem extravasado as suas fronteiras nacionais e tem “tido um grande reconhecimento da crítica”. Os seus livros estão, de resto, traduzidos em duas dezenas de línguas.
Do júri, que se reuniu durante a tarde desta segunda-feira no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro e da Biblioteca Nacional, fizeram também parte, do lado de Portugal, a professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa Clara Crabbé Rocha (filha de Miguel Torga, o primeiro galardoado com o Prémio Camões, em 1989), os brasileiros Alcir Pécora, crítico e professor da Universidade de Campinas, e Alberto da Costa e Silva, embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor e professor universitário moçambicano João Paulo Borges Coelho e o escritor angolano José Eduardo Agualusa.
Também em declaração à Lusa, Mia Couto disse-se "surpreendido e muito feliz" por ter sido distinguido com o 25º. Prémio Camões, num dia que, revelou, não lhe estava a correr de feição. “Recebi a notícia há meia hora, num telefonema que me fizeram do Brasil. Logo hoje, que é um daqueles dias em que a gente pensa: vou jantar, vou deitar-me e quero me apagar do mundo. De repente, apareceu esta chamada telefónica e, obviamente, fiquei muito feliz”, comentou o escritor, sem adiantar as razões.
O editor português de Mia Couto, Zeferino Coelho (Caminho), ficou também “contentíssimo” quando soube da distinção. “Já há muitos anos esperava que lhe dessem o Prémio Camões, finalmente veio”, disse ao PÚBLICO, lembrando que passam agora 30 anos sobre a edição do primeiro livro de Mia Couto em Moçambique, Raiz de Orvalho.
O escritor não virá à Feira do Livro de Lisboa, actualmente a decorrer no Parque Eduardo VII, porque esteve na Feira do Livro de Bogotá, depois foi para o Canadá e só recentemente voltou a Maputo. Zeferino Coelho espera que o autor regresse a Portugal na rentrée, em Setembro ou Outubro.
No entanto esta distinção não o vai desviar do seu novo romance, sobre Gungunhana, personagem histórico de Moçambique. "O prémio não me desvia. Estou a escrever uma coisa que já vai há algum tempo, um ano, mais ou menos, e é sobre um personagem histórico da nossa resistência nacionalista, digamos assim, o Gungunhana, que foi preso pelo Mouzinho de Albuquerque, depois foi reconduzido para Portugal e acabou por morrer nos Açores”, disse  Mia Couto, à agência Lusa. “Há naquela figura uma espécie de tragédia à volta desse herói, que foi mais inventado do que real, e que me apetece retratar”, sublinhou.
in Público  de 27-5-2013
 
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terça-feira, 28 de maio de 2013

Acordo Ortográfico, mais um artigo de opinião


              Acordo Ortográfico: Um homem mordeu um cão      

 

Não cabe aqui o meu espanto por ver reacesa a querela do Acordo Ortográfico (AO). Aumenta esse espanto quando pessoas que estimo e intelectualmente respeito enfileiram numa fúria contestaria baseada em argumentos parciais, desinformados e não raro tendenciosos.
            Para nos entendermos, lembro factos. O AO foi firmado em 1990 pelos então 7 países de língua oficial portuguesa; em 2004, Timor-Leste aderiu a ele. Que eu saiba, nenhum dos países foi coagido. De então para cá, a esmagadora maioria desses países tomou decisões jurídico-políticas de ratificação, o ultimo dos quais (Moçambique) em Junho do ano passado. Outros factos: no nosso sistema educativo o AO esta em progressiva adoção, sem notícias de estragos de monta; na comunicação social está generalizada, salvo escassas exceções que confirmam a regra, a utilização do AO. Alguns números: em meados de 2012, dos dez jornais e revistas portugueses de maior circulação, oito utilizavam o AO; os dois que o não faziam ocupavam a antepenúltima posição, nesse índice de circulação. No caso das televisões, todas as de sinal aberto e praticamente todas as do cabo seguem o AO. E já não falo em documentos oficiais no” Diário da República”, em incontestáveis sites ou o facto de estarem publicados ou em vias de o ser os vocabulários ortográficos que alguns reclamavam com esgazeada ansiedade.
É isto significativo para desdramatizar (porque o que está em causa é uma dramatização) a questão do AO? Claro que sim. Aquilo que contribui para a estabilização possível do idioma e para a naturalização das suas mudanças é o uso disseminado, não as sensibilidades de quem tem acesso a caixas de ressonância disponíveis. O AO tem incongruências a reparar? Claro que tem. A grande notícia é esta: a nossa língua, já antes do AO de 1990, registava incongruências, no plano da grafia e noutros também. E as diferenças entre variantes nacionais existem noutros grandes idiomas (no inglês, no espanhol ou no francês) espalhados pelo mundo, os tais que não têm um acordo ortográfico, argumento que já tive oportunidade de desmontar. Essas são as limitações da congénita imperfeição que afeta produtos humanos como as línguas que falamos e escrevemos. Para atalhar a imperfeição regulamos a língua até onde isso é possível, sem que tal signifique mutilar singularidades. A ortografia é um dos domínios onde isso é feito, sempre (o passado mostra-o bem) com resistências, porque aí a mudança atinge a epiderme da linga (é uma metáfora, claro). Voltámos a isto porque o Brasil decidiu prolongar por algum tempo o período de transição para a vigência obrigatória do AO, mas manteve-o em vigor. Só isso.
            O que lemos em artigos inflamados? Que o Brasil suspendeu, recuou, cancelou e outras coisas semelhantes. Isto é sério? Por mim, pude testemunhar, durante um ano em que vivi no Brasil, que o AO está bem e recomenda-se por aquelas terras. Foi generalizadamente adotado, não suscitou histerias, ninguém rasgou as vestes. Falta Angola, claro, esse país que alguns agora olham como um modelo de sensata democracia cultural. Pois bem: Angola acabará por aderir ao AO, talvez a recente decisão brasileira tenha a ver com isso mesmo, coisa em que deveríamos pensar, se em Portugal houvesse pensamento estratégico sobre a língua, em vez dos gritos lancinantes que só o fundamentalismo linguístico explica. Mas é assim que por cá se faz: se um magistrado não gosta do AO ou se uma mãe decide que o filhinho fica traumatizado por escrever ativar, é disso que se faz a notícia. Decididamente: um homem mordeu um cão.
 

            Carlos Reis, in  Jornal Expreso, Fevereiro de 2013

PATRIMÓNIO, LÍNGUA E HUMANIDADES…por Guilherme d’Oliveira Martins


 

Participei, há dias, em Santander, no inesquecível Palácio da Madalena, a convite de Josemaria Ballester, numa extraordinária reflexão sobre o novo conceito de Património Cultural, que procura acabar com a velha oposição entre património e criação contemporânea e dá lugar à ligação entre pedras vivas e pedras mortas, entre património, herança, memória e criação. Assim, ganha sentido a protecção do património material e imaterial e o tema das Humanidades torna-se crucial, como salvaguarda do que é comum e do que diferencia. E, com muita saudade, lembrámos a memória do mestre (que o foi de muitos de nós), que nos lançou no estudo e aprofundamento de todos estes difíceis temas – refiro-me a Pepin Vidal-Beneyto. Ora, falar de património imaterial, é referir, como essencial, a prioridade atribuída à protecção e salvaguarda das línguas e da comunicação interpessoal. Só através do uso correcto da língua, poderemos chegar aos nossos interlocutores. Daí que a defesa da língua seja um acto elementar de respeito e de cidadania. Além do património das pedras vivas, da arquitectura e da arqueologia, dos bens construídos e dos vestígios materiais, temos de cultivar as tradições e os costumes, o saber fazer e o saber saber – e as línguas têm aí um papel crucial.


Num momento em que a crise das Humanidades encontra as suas raízes na «crise do conhecimento da língua materna, que condiciona a prática da leitura e a compreensão dos textos literários, históricos, filosóficos etc.», torna-se fundamental tirar as devidas ilações desta afirmação da autoria do Prof. Vítor Aguiar e Silva. De facto, «todas as Humanidades se fundam no conhecimento e na prática da língua e sobretudo na leitura e na interpretação de textos, em particular de textos literários». Neste sentido, importa falar entre as grandes reformas urgentes, a efectuar na educação: «melhorar, fortalecer e enriquecer o conhecimento da língua portuguesa». Não se trata, porém, de uma proposta ao lado de tantas outras, mas de uma prioridade fundamental, centrada não em «tecnicismos logocráticos e abstrusos», mas no incentivo da leitura dos textos, na prática da expressão oral e escrita, na interpretação e numa especialíssima atenção aos textos literários de diferentes épocas e géneros. Não há nitidez de espírito sem ideias claras e distintas, não há conhecimento sem o contacto com os autores e os textos originais. A pobreza vocabular, a confusão nos argumentos, a desordem na exposição, a indigência das ideias – tudo isso tem a ver com a desatenção e a indiferença que atingem as Humanidades e a literatura. As cabeças bem feitas, de que falava Montaigne, e Edgar Morin recorda, exigem abertura de espírito, diálogo entre saberes, capacidade de conhecer e compreender.

A língua portuguesa é vista ainda por Vítor Aguiar e Silva como «a mais esplendorosa, perdurável e irradiante criação de Portugal». É verdade. No entanto, isso obriga-nos a especiais responsabilidades no bom domínio do português e na sua defesa e protecção. Mas a responsabilidade essencial centra-se na valorização da cultura e da ciência, como faces da mesma moeda. Lembremo-nos de Pico della Mirandola, para quem as Humanidades iam do conhecimento e da sabedoria no domínio da literatura e das artes até ao espírito filosófico e científico. Nada pode ser estranho às Humanidades. E se se nota, presentemente, descrença relativamente a essa opção, no ensino e na escolha de uma profissão, a verdade é que não estamos a falar de um domínio fechado e cabisbaixo, mas a procurar novas perspectivas, susceptíveis de abrir novas oportunidades. Afinal, não podemos esquecer que a grave crise financeira que vivemos deveu-se fundamentalmente à desvalorização da capacidade de criar e de inovar, nas duas últimas décadas. Ora, se a cultura e um novo espírito, capazes de acolher e aprofundar as Humanidades, entrarem na ordem do dia, isso significará que se dará uma especial ênfase ao seguinte: «o discurso das Humanidades tem de ser sempre (…) a defesa intransigente contra os dogmáticos, os tiranos e os espoliadores da liberdade e da dignidade do homem, no plano das ideias e dos valores, e no plano das práticas concretas». Veja-se, pois, que a apologia das Humanidades nada tem a ver com uma referência datada ou retrospectiva. Trata-se de um apelo ao universalismo do diálogo entre saberes.

No entanto, este momentoso problema não se limita às considerações teóricas e abstractas que, sobre ele, pareceriam mais fáceis. O facto é que o valor da língua e das Humanidades tem repercussões económicas e sociais. Num estudo recente do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, as indústrias e os serviços em que a língua portuguesa é um elemento chave representam 17% do Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal. Com efeito, esse estudo sobre “O Valor Económico da Língua”, encomendado pelo Instituto Camões a uma equipa de investigadores daquela instituição revela que esse valor é superior ao que normalmente é referido, por exemplo para a língua castelhana (15%), “em resultado da maior terciarização da economia portuguesa em relação à espanhola. De qualquer modo, podemos afirmar, sem grande margem de erro, que há uma equivalência, devendo salientar-se que a língua constitui um elemento de crescente importância quando falamos de criação económica. E isto é tanto mais evidente, quanto é certo que os sectores criativos nas economias modernas têm cada vez mais em consideração a língua e a cultura. A tudo isto não é alheio o facto de o português ser a terceira língua europeia com maior projecção mundial (a seguir ao inglês e ao espanhol) e de haver uma previsão de aumento muito significativo de falantes na área do português. Aliás, só as principais línguas da China e da Índia se podem comparar em número de falantes com as três línguas europeias mais faladas, ainda que só estas tenham difusão universal. Naturalmente, o que acabamos de dizer corresponde a uma crescente responsabilidade para as economias da língua portuguesa, uma vez que se exige uma maior qualidade nas aprendizagens e uma maior valorização da educação e da formação. De facto, o que distingue uma sociedade desenvolvida duma sociedade atrasada, nos dias de hoje, é a capacidade de aprender, e isso é especialmente pertinente quando falamos de tudo quanto se relaciona com o uso da língua. No fundo, falar de valor económico é referir o valor cultural – afirmando que a língua é um factor social indispensável para a coesão, para a confiança e para a auto-estima das sociedades.

Percebe-se que o Prof. Aguiar e Silva no seu livro «As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a Política da Língua Portuguesa» (Almedina, 2010), que temos vindo a citar, insista na «elaboração das Humanidades», como «saberes sistematizados que ensinem o homem a falar, a discorrer, a interpretar, a argumentar, a ponderar os valores, a tomar decisões na esfera política, a representar poética e simbolicamente as suas acções, as suas virtudes, as suas misérias e os seus sonhos». As Humanidades levam-nos a uma exigência redobrada na língua e nas línguas, isto é, na comunicação, relacionando saberes básicos que, por sua vez, pressupõem competências, com instrumentos para compreender e produzir textos de diversa índole, com património escrito pelas gerações que nos antecederam e com a tomada de consciência da dignidade e das limitações da humanidade. Aguiar e Silva assume, com coragem, essa atitude, até porque «são os textos, nas suas formas e nos seus sentidos, que consubstanciam a literatura». Não é de mais repetir que a língua portuguesa é como «a mais esplendorosa, perdurável e irradiante criação de Portugal», não podendo compreender-se sem ela a nossa identidade e a nossa diferença.

 in Observatório da Língua

Teolinda Gersão faz uma declaração de amor à Língua Portuguesa


Tempo de exames no secundário, os meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso, confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever. As palavras são minhas, mas as ideias são todas deles.

11-06-2012

 

Redacção – Declaração de Amor à Língua Portuguesa

 

Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito.”O Quim está na retrete” : “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.

 No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum, o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento, e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.

 No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.

 No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela, subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço?



 A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português, que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo, o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer. Dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)

 Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou: a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens, ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.

 E pronto, que se lixe, acabei a redacção - agora parece que se escreve redação. O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impor a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros.

 E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.

 João Abelhudo, 8º ano, turma C (c de c…r…o, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática).

 

Teolinda Gersão, junho, 2012
in Observatório da Língua Portuguesa